Quimera

|


Noite sem estrelas. Céu feito de olhos fechados. Ele nunca gostou de se concentrar na escuridão dos seus olhos fechados. Talvez por isso, pouco antes do sono chegar, os pensamentos corressem tão depressa. Correm pra fugir da escuridão dos olhos fechados. Mas hoje é noite sem estrelas e seus pensamentos estão surpreendentemente lentos. Não correm, não fogem. Estão entregues à escuridão do céu sem estrelas. Tudo parece ter entrado num ritmo arrastado. Até os segundos resolveram ter o tamanho de minutos. Ele vaga entre estantes, estados, escudos. Nada parece ser confortável, adequado ao que se passa nessa noite sem estrelas. Por costume, continua buscando, sem saber o que, nem por quê. Lembra da criança que quis saber o que era melancolia. Lembra da sua resistência em explicar. Uma criança não pode entender, pelo menos não deveria. Por questões supostamente morais, se recusou a explicar. Mentira. Sempre foi covarde. Ele até podia assistir a carnificina, mas não seria ele quem daria o primeiro tiro. A criança não gostou. O homem, desde tenra idade, sente atração irresistível pela sua própria perdição. Ele quer saber, mesmo que conhecer seja o início do fim. Os olhos daquela criança pareciam duas estrelas faiscantes. Pra ele, era só o que bastaria nessa noite. Duas estrelas. Mas a criança não está aqui, nem as estrelas. Algo estava irremediavelmente perdido. Pelo menos até o amanhecer. Porque hoje é uma noite sem estrelas, escura como olhos fechados.

5 comentários:

Ana Clara Otoni disse...

Quando a minha noite não tem estrelas sei que não estou em casa. Na minha terra não são só as estrelas que brilham, mas a lua, o cachorro perdido nas ruas, os grilos e cigarras, a boa prosa da minha vó e o gosto quente do café de minha mãe. Tudo brilha e aí sim sei que minha noite tem estrelas. Aqui, nessa cidade quase cinza, que tenta disfarçar sua cor debaixo das montanhas...restam apenas algumas estrelas e o brilho maior vem dos carros, dos prédios e do cinza.

:.tossan® disse...

Noites sem luar e estrelas, tardes sem poentes....Hoje me sinto uma criança perdida e quem sabe amanhã eu me encontre. Belo texto! Beijo

Leo Mandoki, Jr. disse...

um texto melancólico. Tenho pensado bastante em vc...no momento em vc anda atravessando...te sinto mesmo assim as vzs: melancolica. E curiosamente, vc escreve melhor qnd esta assim...(mas eu adoro os seus dialogos de mulher dona do proprio nariz)
um beijo grande de saudade

MARTHA THORMAN VON MADERS disse...

A beleza pode ser triste.Noite sem estrelas me atormentam.
beijosssssssss
Umna boa semana para você.
Aparteça por lá, tenho novidades.

Unknown disse...

Pensar sobre a viagem do pensamento... Bem introspectivo.
O mais dificil é perguntar aonde achamos toda essa melancolia!
E pra aonde realmente ela se espalha... Se dissolve no ar? Aglomera-se e acumula-se no meu subconsciente? Achar esse tipo de resposta é bem dificil! Porém, momentos de melancolia e de pensamentos ativos nos proporcionam obras maravilhosas!
Parabéns!