Dois amantes

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A alma,
a minha alma,
em alguns momentos,
em muitos momentos,
quer,
precisa,
clama por paz.

E não há jeito,
não há como se ter paz a dois,
a três,
a mil por hora.

A paz da alma,
sem reticência,
vírgula ou senão,
requer vazio,
ausência,
imensidão.

Mas, o corpo,
o meu corpo
quer,
sempre quer
presença,
posse,
exploração.

Como podem assim conviver
alma liberta, corpo possuído?
Como podem os dois,
sendo eu,
serem tão antagonicamente diversos?

Como pode minha alma,
libertária, libertina
entender que o meu corpo,
despudorado, vagabundo,
não se dói, nem se ressente,
de ser objeto,
coisa do outro,
coisa do mundo?

O corpo quer prazer sim,
mas a dois,
a nós,
amarrados,
confusos,
confiscados daquilo que a alma,
de tão tola,
acreditou que teria pra sempre
e nem sente
que já não tem mais.



Morta de medo

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- Você é terrivelmente incômodo.

- Por quê? Por que te chamo de princesinha? Ou por que digo que sou apaixonado por sua boquinha?

- Não. Quando você diz essas coisas é só patético, e patéticos não são incômodos, são até confortavelmente comuns.

- Então por que te incomodo tanto?

- Porque você renova em mim a esperança nos seres humanos.

- Eu? Você é mais maluca do que eu pensava. Posso ser qualquer coisa, menos um modelo de dignidade, honestidade, honradez.

- Eu disse que você renova minha esperança nos seres humanos, não que me lembra homenagens póstumas. Não estou falando do manto de perfeição com o qual só a morte (ou a distância) pode nos cobrir. Falo de vida, de estar vivo, sangue correndo nas veias, alimentando membros, coração, cérebro.

- E isso te incomoda? Ter esperança é tão ruim assim?

- Acreditar sempre tem uma boa dose de apreensão.

- Assim como viver.

- Assim como viver.

- Medo da frustração?

- Medo da morte.

- Deixar de viver?

- Deixar de acreditar.

Suspiro

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Ando precisando escrever. Pés na cadência serena que mãos nunca vão experimentar. Parar é impossível. O corpo precisa de pão. E o pão não cai do céu. Então o homem tem que prosseguir. E essa indisponibilidade traz uma espécie de paz. É a falta de opção, a necessidade física chegando pra simplificar tudo. Já a alma. "Quem tem alma não tem calma." Escreveu alguém tão atormentado (e mais inspirado) que eu. Escrever não é uma necessidade do corpo, portanto não é vital. É uma escolha, um passa-tempo, um luxo. Mas como? Se é a escrita que me nutre, mata minha sede. Se pelas linhas escritas procrio e dou vida a meus rebentos. Ganho a posteridade. A eternidade tão finita quanto uma folha de papel, quanto a verdade das palavras grafadas. Escrevendo existo, insisto, resisto. É isto. Mas é mais. E menos. Menos paz. Os pensamentos continuam correndo, as mãos permanecem inertes, o coração comprimido num peito tantas e tantas vezes vilipendiado. E os pés apenas respondem a estímulos simples. Prosseguem sem questionar pra onde e por qual motivo. Mesmo os meus. Membros irmãos de outros tão "superiores". Superiores e inertes. Parados, esperando uma razão que traga algum sentido. Norte. Direção. Caminho. Caminhada. Ando precisando escrever.

Ficção

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- Olá. Espero não estar incomodando, mas, de qualquer forma, serei breve.

- Não está incomodando. Pode falar.

- A questão é bem simples. Estou à venda e quero saber se você tem interesse em me comprar.

- Comprar você?

- Pra ser mais exata, me alugar. Um aluguel que irá da hora em que você fechar negócio até o primeiro raio de sol.

- E esse aluguel dá direito a exatamente o quê?

- Ao meu amor total e irrestrito.

- Mas aí não seria amor.

- Por que não?

- Porque amor é algo que se conquista com o tempo. Não pode ser fruto de um contrato.

- E o casamento? Não é um contrato?

- Mas ele não dá início ao amor, ele só firma um pacto entre os noivos. Um pacto abençoado por Deus.

- Um pacto de?

- Ahhhh... de convivência, de respeito mútuo, de...

- Amor.

- Mas, como eu já disse, não é o casamento que faz nascer o amor. É justamente o oposto. O amor faz nascer o casamento.

- Não quero questionar suas verdades. Estou te fazendo uma proposta simples, espero uma resposta. Só isso.

- Você está me fazendo uma proposta impossível de ser cumprida. Se você estivesse me oferecendo seu corpo tudo bem, mas seu amor...

- Estou te oferecendo meu corpo também. Quem ama se entrega de corpo e alma.

- Alma. Aí é que está. Você pode até me entregar seu corpo, mas sua alma não, a não ser que seu amor seja sincero.

- Você pode ver a alma de alguém que diz te amar? Pode tocar a alma?

- Não, mas posso perceber através das atitudes. Falar que ama é fácil, agir conforme esse amor já é outra coisa.

- Então, no fim das contas, o que realmente importa não é o sentimento, mas as atitudes?

- O sentimento leva às atitudes.

- Pode até ser, mas o fato é que você não vê sentimentos, então não deixa de ser uma suposição, fruto de uma espécie de fé.

- Sim. Se sentir amado pode ser isso mesmo, perceber as atitudes do outro e acreditar que elas são motivadas por amor, e não por outro sentimento.

- Então, na verdade, não interessa tanto se eu sou capaz de te amar ou não, mas se você é capaz de acreditar ou não. O meu amor por você tem que ser uma criação tão sua quanto minha. É isso?

- Você não disse qual é o preço do aluguel.

- Isso é você que vai decidir.

- Eu que vou dizer quanto vale o seu amor?

- E não é sempre assim? O máximo que a gente pode fazer é amar, mas quem diz o quanto esse amor vale é o ser amado.

- E se eu te oferecer nada em troca.

- Aí nada feito. Amor sem qualquer retribuição só o materno, e não é isso que estou te oferecendo.

- Ei, garota. Estava ouvindo a conversa e estou disposto a atribuir um valor ao seu amor e pagar por ele.

- Negócio fechado.

Ela se aninhou no abraço aberto a sua espera e acompanhou aquele homem impetuoso que escutara toda a conversa sem que ela tivesse percebido. Antes, porém, despediu-se com um sorriso daquele a quem ela poderia ter amado. Mas não amou.

PAPELe

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O poeta pinta o mundo com as cores dos seus devaneios. Transforma a sua arte na veste que esquenta, protege e acalenta a alma da mulher. O poeta sabe dela, das suas angústias, melhor do que ela mesma poderia explicar. Ele penetra profundamente nas cavidades mais obscuras do espírito mundano e vadio da mulher. O poeta já a enlaçou tantas e tantas vezes com seus rabiscos despudorados que ela já não sabe mais quando tudo isso começou. Mas a mulher não é poeta. Ela é prosa. Prosa de seus encantos tanto quanto dos seus equívocos. A mulher não encontrará o poeta no paraíso de sua criação. Ela tem um coração vagabundo e os pés plantados no chão. A mulher não sonha como o poeta. Ela deseja o poeta. A mulher deseja que ele use o corpo dela pra riscar um soneto-encontro. Pele de papel, tinta rubra, vinho tinto. Ela quer ser despida literalmente. Literatura de alcova. A mulher quer ver o poeta se perdendo nas curvas do seu corpo, se encontrando na direção de seu desejo. Desejo. Ela deseja. Ele poema. Eles, rabiscos errantes numa linha. Linhas paralelas esperando o ponto de intersecção ou o ponto final.

Fugaz

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Deitada no chão da sala.
Na cara, o sol que pulou a janela.
Na certa, felicidade não é coisa tão rara.


P.S.: Minhas desculpas aos amigos que insistem em vir aqui. Faz tempo que não os visito e obviamente eu estou perdendo mais que vocês. Mas ando num daqueles períodos de ter tanto o que dizer que não se consegue dizer nada... ou escrever. Como sempre, uma hora ou outra, eu volto. E não, isso não é uma ameaça... rs.

Estranha(mente) vestida

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É, meninos, vocês têm razão. Nós, mulheres, somos muito estranhas. Mas vamos combinar que também é bem estranho sangrar "em bicas" todos os meses, sentir uma dor dos diabos, ter vontade de sair pelas ruas metralhando todos os idiotas desse mundo e ao mesmo tempo ter vontade de se esconder embaixo do edredon e não sair de lá nunca mais. E além disso continuar acordando todos os dias, fazer 350 coisas ao mesmo tempo e ainda ouvir às 8 da manhã que você é a nora que a mamãe do pedreiro da esquina (que não necessariamente é pedreiro) espera ansiosamente. É isso aí, meus queridos, ser mulher não é a-coisa-mais-fácil-desse-mundo. Tudo bem, isso tudo justifica mas não explica. Vocês provavelmente continuam nos achando estranhas e eu, de bom grado, continuo aceitando o rótulo, até porque admito que sinto e faço coisas que corroboram essa sua opinião.

A pessoa aqui apesar de longe de se classificar como um exemplar da mulher moderna culta, viajada, mega esperta e bem resolvida, também não se encaixa no perfil garota sarada cabeça oca. Estudar sempre foi uma opção. Ler, em alguns momentos, quase tão prazeroso quanto um orgasmo múltiplo. Se um dia eu resolver aderir a algum culto extravagente, será ao cérebro, ao meu, inclusive. Já viajar, no sentido literal ou não, é um hábito. Quanto a ser bem resolvida, digamos que eu tenha uma relação de amor e ódio com meus próprios sentimentos.

Acontece que ontem estava eu procurando um bat-vestido para as mulheres criticarem e os homens nem notarem num casamento que pretendo ir hoje mais tarde e eis que me peguei tendo a satisfação pessoal mais perceptível dos últimos dias. Ganhei na sena? Dei de cara com um príncipe encantado (lê-se cara gente boa, inteligente, divertido e lindo!!!)? Saiu aquela bolsa tão esperada pro mestrado na Europa? Nãoooooooo. Serviu-me (muito bem, minha falta de modéstia tem que acrescentar) um vestido "P".

Você está rindo? Provavelmente é homem ou tem medidas de uma menina de 12 anos. Porque, sinceramente, qualquer mulher com medidas de gente grande, que tenha bunda, perna e todo o resto que uma pessoa normal tem, sabe que entrar num vestido "P" não é assim uma coisa tão banal. Portanto, chamem-me de fútil, vazia ou ESTRANHA. Mas o fato é que hoje à noite vou "me enfiar" num vestidinho "P" e, por algumas horas, vou brincar de ser livre, leve e solta.


P.S.: Ando me divertindo com um novo brinquedinho. Pensou bobagem??? Nada. Resolvi me render ao twitter (www.twitter.com/@daspe3).