Um mergulho na escuridão

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Ele olhava pela janela um mundo ao qual, desde muito cedo, sabia não pertencer. Um mundo que girava alheio a sua vontade de parar, traçar novos rumos, voltar a andar, a sua vontade de poder escolher. Aliás, essa coisa toda de movimento circular e intermitente dava-lhe um certo enjôo, além de cansaço e uma sensação insuportável de inutilidade.

Falava sem parar. Questionava. Ironizava. Usava todo o seu sarcasmo pra idiotizar um mundo de pessoas que, enquanto ele rosnava de sua janela escancarada, continuavam dormindo, vendo TV, comendo, sendo comidas, vivendo, sem ao menos se dar conta da existência de um homem cansado de tudo, de suas poesias, de suas músicas, de sua sordidez, de sua humanidade.

Não era desprezo o que sentiam por ele. Era uma ausência total de sentimento, uma completa desconsideração da existência do outro. Ele, por motivos diferentes dos meus (o narrador), passou à condição igual a minha. Tornou-se uma ilusão. Só que eu sou um delírio de alguém. E ele, pobre-coitado, um delírio de si mesmo. Algo infinitamente mais solitário que a própria morte.

Mas ele não desistia de usar a sua janela como um palanque. Comício de partido pobre. Silencioso, melancólico, vazio. Naquela noite sem luar, nem mesmo uma estrela meio apagada resolveu aparecer. Só que uma ilusão tem a capacidade de criar outras pra garantir sua permanência e ele não agiu diferente. Ele podia sim ver uma plateia atenta. Atenta e necessitada, como miseráveis sedentos por pão, circo e uma migalha de afeto. Tratou logo de subir na janela pra ficar mais perto de sua audiência, o mundo inteiro. Um mundo que precisava ser parado. Se não por sua própria vontade, mas pelos dois pés que ele pretendia cravar no pedal do freio. Pés que, pra isso, precisavam se desgrudar da janela onde, naquele momento, ele estava de pé.

Jogou-se. Mergulhou naquela noite apagada, sem lua, sem estrelas. Arregalou os olhos, queria ver o exato momento em que o mundo pararia de girar e as pessoas, enfim livres, deixariam de andar a esmo e trilhariam um novo caminho. Mas, de olhos bem abertos, tudo que conseguia ver era o chão, cada vez mais perto, mais perto, mais perto. Fechou os olhos.

P.S.: Enfim, estou de volta com texto inédito. E devo dizer que andava com muita preguiça de escrever, de férias desses mergulhos profundos, mais disposta a molhar os pés em poças bem rasas e cristalinas. Só que alguns estímulos são prazerosamente arrebatadores e cá estou eu. Mário, poeta das minhas angústias, ser citada em seu blog é uma honra, mas o maior prazer disso tudo é a reciprocidade, a troca, a "comunhão", falo isso porque minhas inquietações, se não nascem, transbordam quando leio suas tão bem traçadas linhas. E como o assunto aqui é água, pra quem quer conhecer a nascente, eis o caminho: www.meiomarmeiorio.blogspot.com/

Ahhh... já ia esquecendo, vale à pena dar uma olhada na letra da música que acompanha o post. Não é novidade que gosto (muito) das letras do Dylan, portanto, sou suspeita, mas, enfim, fica aí a dica.

13 comentários:

Mário Liz disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Mário Liz disse...

É estranho como o mundo pára ao meu redor (e como outras vezes eu paro ao redor do mundo). Uma vez escrevi em um poema (não é uma citação literal) que ... tem dias que meu umbigo é o centro da Terra e n'outros, tenho terra no centro do umbigo. É a doce-amarga-nefasta-luxiriosa sensação de ser enterrado. É a "quase morte".

E pior de tudo (ou melhor de tudo) é que eu teimo em renascer em mim e renascer para o mundo.
A vida em mim é um vício: cocaína e alcool não chegam perto da endorfina que a vida me presenteia.

Em tempo: não faço alusão a entorpecentes. Faço metáforas.

"Enterrar-me" também é uma ótima metáfora, até porque, as sementes são assim ... são praticamente enterradas mortas e escarradas do inferno rompendo a pele da vida, ganhando as asas do mundo.

" e eu sou o vento. eu sou o mundo. eu estou em mim... "

Eu acho que sou bem assim. Tenho muito de morte e outro tanto de vida. E quem não é desse jeito ?!

Há uma infinidade de mim nesta postagem. E é claro, qualquer leitor também se identificará com ela. E isto é simples de se elucidar: com a Danielle a suavidade inexiste ... ela lança as linhas ou os versos em nossa cara como bofetadas.

E meu lado sádico ama tudo isso. E meu lado poético ...

ama mais ainda.


(até que para quem ficou sem palavras eu escrevi bastante ...rs)

bjus

M. A. Cartágenes disse...

Me senti sendo esse cara. Literalmente falando.

:.tossan® disse...

Eu é que ando meio preguiçoso. mas, longe do chão. Bob Dylan! Gosto. Gosto mais do teu texto moça e adorei o sorriso no teu perfil uma carinha linda e cheia de vida. Como é bom te ver. Beijo

~*Rebeca*~ disse...

Dani linda e querida,

Como é bom apreciar um texto cheio de alma. Nada nas suas palavras tem desperdício, tudo é transformada em emoção. Tudo prospera quando a pessoa tem a essência linda como a sua, menina querida do meu coração. Fico muito feliz pelo presente dado e pela forma abençoada que foi acolhido. Saiba que toda vez que leio um comentário seu o meu sorriso abre.

Você é um encanto....

Beijo imenso, menina linda.

Rebeca

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Melia Azedarach L. disse...

Como eu falava com um amigo esses dias "a felicidade é ignorante".
Fico pensando nisso, até demais e me sinto como ele, olhando o mundo lá fora e contando em minha mente, com cálculos ridiculos, quantas pessoas estão transando, quantas estão realmente satisfeitas e imaginando se alguma dessas pessoas pensa exatamente o que estou pensando, tentando adivinhar o mundo lá fora.Tudo isso com aquela dose de realidade que não dá paz.
Espero a continuação!
Grande beijo querida...

Sueli Maia (Mai) disse...

Comer ou ser consumido...Teu texto é realmente um mergulho em(densa) escuridão. É preciso saber mergulhar em águas profundas. Beijos, querida.

Bill Falcão disse...

Voltou com tudo, hein, Dani?
Vou lá curtir nosso Dylan agora.
Bjoooooo!!!!!

Unseen India Tours disse...

Beautiful post !! I loved the video !!

Stéphanie Lopes disse...

ooi , nao sei se vc lembra do que vc comentou em um poster meu .
mais vim aqui de coração agradeçer , entendi a mensagem q vc quiz me passar
e me senti bem melhor dps q li oq vc escreveu , falando do seu banho de psicina com chuva , enfim ... brigada msmoo

Beijinhoos ♥

Fábio disse...

Do pouco que li no seu blog esse texto é sem duvida o melhor... Muito bom mesmo. Não adianta resmungar, lutar, correr ou morrer. O mundo continua girando alheio as nossas vontades ou ações. Isso está muito bem retratado no seu conto.

Abraços

Barbara disse...

Bob Dylan parece mesmo com o texto, não apenas nesta música mas num contexto de uma crônica solidão - porém criativa.
Como quase toda solidão.

Eslley Scatena disse...

Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh, mas que ...(continua no próximo post)