O homem sentado no banco da praça...

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Era uma tarde de sol de segunda-feira. Sim, sol de segunda-feira. Nunca percebeu que o sol de segunda é "de primeira"? Parece mais brilhante e mais convidativo que o sol do fim-de-semana, e você fica ainda mais frustrado por ter que ir trabalhar, trancar-se numa sala fechada, sem luz do sol, sem céu azul.

Mas, voltando à estória, era uma bela tarde e eu estava parada no trânsito, me sentindo mais um ser desprovido de personalidade e existência próprias, mais um elo daquela corrente cinza e compacta de pessoas sem rosto dentro de carros de vidros negros.

Olhei pela janela e percebi que estava parada diante de uma praça. A primeira impressão foi de que a praça estivesse vazia, afinal era segunda-feira, decididamente não era dia de descanso. Mas, ao olhar mais detidamente, percebi um homem sentado em um banco. Homem sozinho, absorto, parecia nem sentir as gotas de suor que marcavam seu rosto avermelhado pelo sol quente.

Fiquei olhando aquele homem sentado, solitário, e me peguei investigando seu olhar distante. "O que será que ele está fazendo?", foi a pergunta que me fiz. A pergunta me pareceu tola, ele não estava fazendo nada, estava ali, parado. De repente, me veio uma seqüência de perguntas à cabeça: "Por que ele está aqui?", "Será que não sente o calor do sol queimando seu rosto?", e a mais importante e de difícil solução: "Em que ele está pensando?".

Consegui um espacinho entre um ônibus amarelo e um caminhão enorme, foi inevitável a sensação de que aqueles dois iam brincar de esmagar meu insignificante carro vermelho. Lembrei de uma matéria sobre a síndrome do pânico que havia lido uns dias atrás e antes de começar a sentir todos os sintomas descritos, procurei novamente prender meus pensamentos naquele homem que, aliás, agora eu podia ver ainda melhor.

Aliás, descobrir em que pensava aquele homem, de repente, ganhou uma grande importância pra mim, tão grande como sair viva do meio daqueles dois gigantes de metal.

Minha primeira hipótese foi: "Ele está refletindo sobre questões existenciais. Neste exato momento, está se perguntando de onde veio, pra onde vai, qual seu papel no mundo." Engraçada essa nossa mania de pensar que as outras pessoas sofrem com os mesmos questionamentos que nós. Eu que estava naquele momento querendo saber o real motivo da minha existência. Não seria possível que tivesse nascido pra, num belo dia de sol, ficar horas trancada num carro, com medo de ser esmagada por aqueles monstrengos "de lata".

Daí, me veio uma opção menos filosófica: "Trata-se de um homem solitário que vem á praça relaxar um pouco, conversar com pessoas, olhar as crianças brincando." Mais uma vez minha imaginação foi além do plausível, o sol estava quente, não havia pessoas por perto, muito menos crianças brincando. Aliás, não me pareceu ser um lugar muito agradável para brincadeiras e conversas amistosas. O chão sem grama, os brinquedos abandonados, o mato crescendo, e até aquele banco solitário davam àquela praça um ar melancólico, soturno até.

Diante da segunda tentativa frustrada, procurei novamente alguma pista nos olhos daquele homem. Só que, dessa vez, tudo havia mudado. O olhar que antes era frio e perdido no vazio, agora tinha direção certa e toda uma emoção que não estava ali há 5 minutos. Vi uma torrente de lágrimas nascerem de seus olhos, correrem pela sua face e desagüarem em seus lábios entreabertos por um sorriso apenas esboçado.

Por que chorava aquele homem, de desespero, tristeza, desilusão? E por que eu chorava suas dores sem nem saber quais eram?

Aquele que antes era um desconhecido sentado no banco da praça agora me fazia sentir cúmplice, solidária, a destinatária de suas mudas confidências. Por isso mesmo, precisava saber o motivo de suas lágrimas e busquei a direção daquele olhar agora tão intenso.

No meio daquela praça encontrei todas as respostas que há pouco eu procurava. O motivo daquele homem sentado no banco da praça, sem sentir o sol que queimava seu rosto, sem nem mesmo perceber o mar de metal, barulho e irritação que cercava a praça por todos os lados. O motivo da própria existência daquele homem sentado no banco da praça não era nada além de cabelos negros e olhos ansiosos que eram levados até ele por um andar firme e ansioso.

Sim, o homem chorava, mas não era de tristeza ou desespero, era pela beleza daquela mulher que agora estava perdida em seus braços largos. Naquele momento, percebi que todas as respostas que eu procurei durante aqueles últimos minutos, inclusive o motivo da minha própria existência ali, eu podia encontrar agora no olhar úmido e doce que o homem lançava à mulher dos cabelos negros.

O ônibus amarelo de repente voltou a andar e o caminhão veio feroz pra cima de mim, dessa vez achei mesmo que ele ia me espremer, e não era de brincadeira. Pus o carro em movimento e em poucos minutos estava trafegando por uma rua mais tranqüila, deixei de ser um elo da corrente, deixei de ser apenas levada pela correnteza, abri a janela do carro, num ato extremo de ousadia, e recuperei fragmentos de individualidade e liberdade.

Sentindo o vento e o calor do sol no rosto, lembrei do homem e de como, em poucos minutos, sua imagem tinha se modificado de solitário absorto a amante efusivo. Lembrei da praça e de como, em minha última olhada, ela me pareceu bucólica, e não melancólica. Pensei na segunda-feira de trânsito infernal passando à segunda-feira de reflexão e emoção.

Por fim, antes de estacionar o carro na minúscula vaga encontrada por um desses pequenos milagres cotidianos, olhei mais uma vez para o sol que esquentava meu rosto e prometi solene e silenciosamente àquele homem cujo nome eu nunca saberia que, daquele dia em diante, toda vez que eu estivesse a ponto de ser esmagada por gigantes, diante do abandono e da solidão, eu lembraria que o homem solitário sentado no banco da praça nada mais era do que um amante saudoso preparando-se pro grande momento do reencontro.

3 comentários:

Ricardo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Ricardo disse...

Eu estou um pouco cansado... e triste! Talvez por isso o ar sombrio deste comentário. Na obra "O Muro", Sartre tenta, por meio de algumas estórias, dizer alguma coisa sobre algo que é quase indefinível: o "contemplar". Nós só conseguimos nos ver pelo outro. A contemplação não é uma atitude altruísta, não se dá pelo outro. É puramente narcisista! Aliás, como são fantásticos os poderes de nossa imaginação: será mesmo que o outro é o outro, ou será apenas nosso reflexo? Beijos...

Dos Santos disse...

Dani,
Primeiramente digo q gostei do post. Em todos os sentidos... na forma q escreveu, no movimento que a cercava, nas prováveis analogias dos carros maiores...
É provável que as dúvidas e os conflitos internos pelos quais freqüentemente passamos façam com que tratemos o próximo como semelhante, igual. Seria difícil imaginar que um pobre homem exposto ao sol forte, em plena santa segunda-feira, na iminência de expor seus mais profundos sentimentos de dor, estivesse, na verdade, dando demonstração de grande afeto ao próximo. Volta e meia me surpreendo no mesmo sentido, concluindo sentimentos alheios, penetrando em suas mentes e sentindo o que sentem. Provavelmente errado. Quase nunca vejo “a mulher de cabelos negros chegando”. Observar o mundo a nossa volta é engraçado. Imaginar que cada um dos bilhões de cidadãos do mundo tem bilhões de pensamentos e sentimentos diariamente não faz sentido, sei lá... Os “tempos modernos” andam, aos poucos, tirando nossa capacidade de refletir. Como economista, poderia jogar a culpa no capitalismo, mas é mais que isso. É uma postura nossa, seres de polegar opositor, reagindo a um habitat em constante transformação. É intrínseco. É tênue...

Carlos