A verdade banhada de luar

|
De repente, despertou. Os olhos abriram-se antes mesmo que ele se desse conta de que estava acordado. Será que estava realmente acordado? A cabeça doeu, sentiu um gosto amargo. Pensou que devia ser a isso que a mãe se referia quando falava em "gosto de guarda-chuva na boca". Sim, agora tinha certeza, ele estava acordado. Ele sentia dor e podia pensar. É, ele ainda estava vivo.

Olhou pro lado, viu a mulher que ressonava silenciosa. Suas curvas pareciam colinas banhadas de prata pela luz da lua que vazava por entre as frestas da janela. Seus seios fartos, suas coxas, seus olhos cerrados, sua respiração pausada, todas as suas partes lhe davam ares de deusa. Teve vontade de tocar sua face. Não tocou. Ela podia acordar. Ele não saberia o que dizer.

Tentou lembrar seu nome. Sabia que ela o tinha dito entre a segunda e a terceira doses. Não lembrou. Resolveu não pensar mais nisso. Ao amanhecer, ela iria embora e ele a esqueceria, assim como seu nome. Preferiu fixar sua atenção no que sabia que não esqueceria. O luar e as partes de deusa.

Fechou os olhos cansados de tatear a mulher. Não dormiu. Pensou em levantar, fazer um café. Seu corpo não deu qualquer sinal de reação. Dormir. Precisava dormir. Não conseguiu. O que fazer?

Lembrou dos desenhos animados. Carneirinhos pulando uma cerca num dia de céu azul. Achou a idéia ridícula, apropriada e ridícula. Esperou os bichinhos começarem o pula-pula. Não vieram. Só o que viu chegando perto da tal cerca foram mulheres. Elas começaram a saltar. Achou que seria ofensivo contá-las. Resolveu dar-lhes nomes. Ana, Bia, Camila... Deixou-se ficar admirando o espetáculo das encantadoras mulheres saltitantes.

De repente, ela veio vindo, com seu andar de quem sabe exatamente onde quer chegar. Parou diante da cerca. Não pulou. Ao invés disso, subiu e sentou num de seus pilares. Com olhar seguro e desafiador, esperou a próxima da fila. Não apareceu ninguém. Todas as outras foram dando passos vacilantes na direção oposta. Não haveria mais saltos, nem sonhos.

A voz dela ecoou por todo o quarto: "Cansei." Ela cansara e fora embora. Ele se perguntou por que não impedira a partida. Resposta fácil. Medo. Abriu os olhos. Não a encontrou, só a mulher sem nome. A voz foi apenas uma lembrança. Retalhos do dia em que ela partira. Dia em que ele podia ter pedido pra que ela ficasse. Ele não pedira.

Virou-se de lado. Quis espantar a imagem dela sentada em cima da cerca, tal qual uma rainha em seu trono caramelo. Não conseguiu. A verdade já estava ali. Deitadas em sua cama, entre ele e a mulher vestida de luar, encontrou três certezas: Ele a deixara ir embora porque a amava. Ele tinha medo do amor. Ele não conseguiria dormir.

5 comentários:

Bill Falcão disse...

Beleza de conto, Dani!
De arrepiar!
Bjoooooooo!!!!!!!

Anônimo disse...

Realmente,de arrepiar... vc assusta moça,assusta por demonstrar em coisas assim o quanto conhece a alma humana em meio as crises que ela enfrenta com si mesma...
Segunda vez que vejo vc escrevendo assim,me sinto tão surpreso quanto quem presencia alguem possuido que aprende,sem mais nem menos, a falar linguas que lhe eram estranhas,enfim,como se a inspiração viesse de algo realmente fora de vc...rsrs

Anda psicografando né? rs

brincadeira amore,sei que isso pra vc é só o começo das suas potencialidades,muito bom texto,em todas as nuances.
Bjo

Anônimo disse...

OI! helena... mil perdões viu... eu sei realmente que estou em falta com vcs...
Comcecei a trabalhar com política a noite!!! E estou organizando uma feira em BH que a gente vi participar (feira do empreendedor) então to realmente muuuito atarefado, eu fico péssimo com isso (em falta com vcs.)

fds de semana eu me ponho em dia!

Anônimo disse...

Amiga, vc sabe que vou lendo aos poucos seus escritos e que vou comentando (sempre atrasada) aqueles que me falam mais ao momento, ao que me toca, enfim...esse eu achei simplemente genial. Muito bom mesmo vc como contista/prosista rsrsrs. Lembra que conversamos e não soubemos exatamente se este texto era uma prosa ou um conto? Então, resolvi consultar a etimologia dessas duas palavras e transcrevo aqui (sou uma pentelha com essas coisas). Prosa é a expressão natural da linguagem (escrita ou falada), sem metrificação intencional, não sujeita a rítmos regulares. Conto é gênero de prosa de ficção/narrativa folclórica/historieta/estória/narrativa...
Conclusão: tanto faz como tanto fez rsrsrs. Tanto podemos denominar seu texto de conto, como de prosa. Hehehehe. Será isso cultura inútil? Não creio, gosto de entender bem o significado das coisas. Parabéns pelo belo conto... e tenho dito!!!

Anônimo disse...

Eu sou lesada mesmo, não era conto e prosa e sim, conto e crônica (agora que me lembrei srsrs). Bem, crônica é coletânea de fatos históricos, de narrações em ordem cronológica, conjunto de notícias... Gênero literário que consiste na apreciação pessoal dos fatos da vida cotidiana. Tirei essas definições todas do Houaiss.
Agora, vc decide: seu texto é um conto ou uma crônica???? rsrs
Aguardo a resposta hehee.
Bjs