Simples incompatibilidade de gênios

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Ele dirigia. 40 quilômetros por hora. Ela falava. Centenas de palavras por minuto.

Ela falava sobre seus planos pro futuro. Ele só queria chegar em casa. Ela falava sobre receitas de felicidade. Ele só queria uma dose de whisky. Ela falava sobre meios de se alcançar a paz no mundo. Ele só queria que o próximo sinal não estivesse fechado.

Ele olhava pra frente. Precisava ficar atento, já que vivia passando direto pela entrada da rua estreita que o faria economizar uns minutos de trânsito. Ele não precisava olhar pra ela pra saber que seus olhos estavam brilhando, seu rosto corado, as mãos em constante movimento, como querendo tomar pra si o mundo todo.

Ela pediu pra que ele parasse o carro um pouco à frente. Mostrou o prédio em que morava. Ele fingiu que olhava. Ela disse que ele poderia aparecer qualquer dia. Ele mentiu que apareceria. Parou o carro. Ela desceu. Pela primeira vez, ele a observou. Ela segurava a porta com uma das mãos, a bolsa com a outra, tentando se equilibrar num dos saltos enquanto saía do carro. Agora sim ele tinha vontade de admirá-la. Suas curvas, sua falta de jeito, sua mão de unhas vermelhas.

Ele teve vontade de dormir com aquela mulher. Talvez encontrasse no perfume dos cabelos dela a paz que há muito tempo havia perdido. Perdido? Ele riu da sua própria tolice. Uma pessoa não pode perder o que nunca possuiu. Ligou o carro e partiu. Pelo retrovisor pôde ver a garota em pé na calçada.

Ela teve vontade de dormir com aquele homem. Era nisso que pensava enquanto abria a porta de casa. Por que não o chamara pra subir? Porque ele a faria sofrer. Soube disso no dia em que fitou o semblante sério e o olhar melancólico dele. Ele era o tipo de homem que trazia nos olhos todo o peso dos fantasmas que o atormentavam. O tipo de homem a quem ela poderia amar.

Ele não conhecia o amor. Já flertara com o encantamento nascido de um encontro cheio de ternura. Já enlouquecera com a lascívia causada por um corpo exuberante. Já perdera o sono e o senso por uma paixão insana pela mulher errada. Mas o amor, ele não conhecia, nem haveria de conhecer.

Eles não combinavam. Ele e ela? Não. Ele e o amor.

8 comentários:

Bill Falcão disse...

Cinematográfico isto aqui, Dani!
É perfeitamente possível acompanhar a narrativa como se fosse a cena de um filme. Foi assim que fiz.
Passei também pelos posts que perdi nos últimos dias. Uma beleza a homenagem ao grande Cartola, em seu centenário!
E um bjoooooooo!!!!!!!!!!

Anônimo disse...

Às vezes tão doce, em outras lúbrica. Às vezes angelical, em outras quase diabólica. Essas oscilações são instigantes e perturbadoras. Difícil traçar uma linha de comportamento, impossível determinar quem é a pessoa por trás das letras. Só o que me resta é continuar sendo surpreendido e seduzido por cada texto.

Leo Mandoki, Jr. disse...

A blogosfera é tipicamente feminino??!! eheheh fiquei sabem do por vc!! sempre achei meio equilibrado. Mas o que eu noto é que os blogs feminino são geralmente usados como expressão de amor ou de sofrimento. A mulher precisa desabafar e usa o blog. Ou seja, o uso do blog no feminino é bem diferente do masculino...
O seu gostei mto mesmo. A estética visual é fantástica, de super bom gosto. E esse texto em jeito de sketch de teatro foi muito bom mesmo. É curioso que eu acho que todos os dias e a todo momento milhões de pessoas no mundo se desperdiçam com situações como essa que vc descreveu. Gostei viu
Beijosss
aparece mais vezes....vou te linkar no meu blog..pode?

Cadinho RoCo disse...

Será que existe alguém que de verdade não combina com o amor?
Cadinho RoCo

Zunnnn disse...

Hum...
pq esse texto me tocou mais que os outros?

ei...
Ela fica desajeitada.. Mais brava.. e fala demais..

e ele..
deve só não entender...

poxa...

Hum...

Beijo

Zunnnn disse...

ta editado la...
vc confundiu tudo!

Anônimo disse...

Perfeito.

Melia Azedarach L. disse...

Perfeitamente compreensivel...Me faz lembrar de uma pessoa (eu mesma), tentando me equilibrar no salto e ao mesmo tempo correr, mas acho que me encaixo nos dois lados, o "ele e o ela", me encaixo com essa falta de jeito com o andar, o segurar o parar e por sua vez o amar.
E quando ficamos mesmo nervosas falamos demais? É um reflexo alternativo para pedir que nos calem a boca de uma forma alternativa?

Não sei, não sei ou sei demais.

Saudade de comentar aqui, saudade desse espaço, cantinho que ajudei a futricar, saudade desse pedaço de meia ficção.
Saudade de salsicha enlatada e de coisas que só nós entendemos.

Beijos querida!