Revista

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- Posso sentar?

- Você já está sentado. Mas não tem problema. Fique à vontade.

- Está gostando do livro?

- Olha só. Podemos dividir a mesa. Mas não é à toa que estou sozinha. Quero mesmo ler.

- Não entendo. Se queria ficar só por que veio ler num café?

- Talvez porque eu além de ler, também goste de café.

- Não é o que acho. Acho que você, mesmo sem saber, esperava alguém ou alguma coisa.

- Entendi. Quanto estou sozinha num café, espero alguém, quando estou roendo as unhas, estou nervosa, quando suspiro, estou apaixonada, quando coço a cabeça, estou indecisa.

- Piolho.

- O quê?

- Cabeça coçando... rs.

- Muito engraçado.

- Responde uma última pergunta? Prometo que te deixo em paz.

- Vá em frente.

- Quando vai ao consultório médico leva um livro?

- rs...

- Seja sincera.

- Não. Não levo livros ao consultório médico.

- Já sabe onde quero chegar, não? Você gosta de obter informações, úteis ou não, enriquecedoras ou não. Uma revista de amenidades e capa colorida, Dostoiévski, Nietzsche, Garcia Marques, bula de remédio. Você pode até gostar mais de um do que de outro, mas todos te atraem. Você não leva o livro pro consultório porque sabe que ele estará sempre na sua mesa de cabeceira à sua espera, já a revista, por mais simplória, pode não voltar as suas mãos.

- E você é a revista de capa colorida do dia?

- Eu preferia uma das outras opções, mas tudo bem... rs.

- Você quer mesmo me convencer de que EU quero conversar com você?

- A liberdade é um bem tão apreciado que o homem quer ser dono até da alheia.

- Agora posso eu te fazer uma pergunta?

- Faça.

- Analisar reais desejos escondidos atrás de comportamentos supostamente banais e parafrasear Montesquieu normalmente dá certo?

- Você acha mesmo que há muita gente por aí que reconhece uma citação de Montesquieu?

- Sinto-me realmente lisonjeada... rs.

O celular. Achá-lo dentro da bolsa era como caçar um desses insetos estranhos que se camuflam no ambiente em que vivem. Sempre que o celular tocava na rua lembrava-se de que não devia usar bolsas tão grandes. Enfiou quase todo o rosto dentro da bolsa pra encontrar o aparelho gritante. Achou. Atendeu o telefone ainda com a cabeça enfiada na bolsa. Era a atendente do consultório médico. A consulta que marcara pro dia seguinte estava confirmada. Desligou o celular rindo da coincidência.

- Você não acredita quem...

Ele não estava mais lá. Havia ido embora.

No dia seguinte, na hora marcada, estava sentada na recepção do consultório médico. Em seu colo, uma revista aberta cheia de fotos coloridas. Absorta, ela olhava. Mas não era pra revista. Olhava pras próprias mãos. Em suas mãos, um guardanapo meio amassado. Nele, havia um nome e um telefone anotados.

10 comentários:

Leo Mandoki, Jr. disse...

essa é a dany que eu conheci desde sempre!! adoro os teus dialogos!...e vc nao deixa de ter razão...as análises pós-texto são um pé no saco...sabe de uma coisa...vc foi mto severa com esse novo padeiro que se aproximou de vc!
...e algo me diz que ela não vai ligar...
um beijo grande

Paula Barros disse...

Sabe quando ficamos iniciando o comentário - muito bom, muito criativo, muito interessante, gostei muito.....e vamos apagando? Fica a sensação que vou me repetir, que não sei elogiar o tanto que gostei e que seu texto merece.

Mas mostra bem quantas vezes queremos conhecer alguém interessante, ou queremos uma boa conversa, e deixamos passar as oportunidades por vários motivos.

abraços

Cadinho RoCo disse...

Se permitir aos encontros tambémn faz parte do que poderá rsultar em bela surpresa. Telefonou?
Cadinho RoCo

:.tossan® disse...

Esse teu texto me lembra que comprei 5 livros no mes passado e ainda nem abri o primeiro. O teu textos sempre me fascinam. Beijo moça

MARTHA THORMAN VON MADERS disse...

...mas é bom demais.Será que sou assim? Ai meu Deus!
beijoss
Bom final de semana.

Kari disse...

Adoro esses diálogos!!!!
E o livro me fez lembrar de um filme... Não lembro bem o nome, mas lembro que gostei bastante...

Beijos

O Sibarita disse...

Eita moça retada, o Sr. La Bréde, Charles-Louis de Secondat, simplesmente Charles de Montesquieu no seu diálogo papo cabeça é? Hummm... kkkkk

Pois é, assim como La Bréde, era um um crítico severo e irônico da monarquia você ta se tornando a tal do quotidiano, né não? kkkkkk

Execelente dialogos rápidos e caceteiros, essa menina vai longe! kkkkkkkkk

Que nos consultórios só tem resvistas de inutilidades em muitos ou na maiorua tm viu fia? klkkkkkkkkkk

Você não leu o Santo Antonio no Sibarita, devia ler! kkkk

Obrigado pelas suas brilhantes palavras no Sibarita, não sei se ou merecdor, mas, virei jornalista depois vá ver por que! kkkkkk

um beijo
ZéCorró - Substituto do sibarita e jornalista agora por obra do Supremo de Brasília. kkkkkkk

MARTHA THORMAN VON MADERS disse...

Estas conversas me encantam....
Uma feliz semana.
apareça.
beijosssssssssssssss

Paula Barros disse...

É tão bom quando você aparece e deixa suas belíssimas palavras, suas impressões emocionais.

As vezes é tão real o sentir que o peso da cabeça, é o peso de uma cabeça no colo a muito tempo, talvez. rsrsr Mas só pensei agora que você comentou.


Você é de qual cidade?

abraços

Anônimo disse...

.....metáforas,metáforas.....